Considerações Finais
Diversamente das primeiras definições, anteriores aos efeitos do descentramento do sujeito produzidos a partir da pós-modernidade ou “modernidade tardia” (Hall 2001), nós podemos conceber a identidade a partir do que se é, um consenso social (Bauman, 2005) até o que se pode ser num devir: “compossível” (Fonseca, 1998).
Dentro destes termos, a proposta é uma nova significação onde o passado se torna um presente disponível e o tempo torna-se uma rede de multiplicidades compondo oportunidades renovadas para ler e escrever outras histórias na grande cartilha dos tempos múltiplos, futuros simultâneos e “compossíveis” (Fonseca, 1998, p.39).
Ou ainda, conforme Reis (2000), a “identidade histórica” é construída em cada presente: uma relação de recepção e recusa de passados, de abertura e fechamento aos futuros.
Através da colocação do caráter ficcional de uma cultura, registra-se a primazia do significante que inaugura a incerteza e a instabilidade como grandes contribuições para as ciências e outros campos do conhecimento. A exemplo do que ocorreu com a radicalização da linguagem e a sua redefinição constituída pelos movimentos migratórios, que produziu constantemente novos sentidos, novas performances, novos significados culturais.
Na questão: nascimento do Brasil, construção do Estado-Nação e identidade de seus cidadãos podemos parar para repensar, pois estamos diante do desmoronamento pós-moderno do conceito de subjetividade, adiantados em séculos e adiando faz séculos uma nítida emancipação à exemplo de uma pacificação.
Os conceitos discursivos sobre identidade, tanto quanto os de identidade nacional, são abalados nas exigências prematuras de sermos um centro do mercado globalizado mesmo antes do descobrimento: nos Tratados de 1493 e de Tordesilhas (1494[1]). Do momento em que se dividiam as terras ultramarinas entre os reinos de Portugal e Espanha até a abertura dos portos às nações amigas, que colocou os portos do Rio de Janeiro e Salvador como “elo de união entre o comércio dessas grandes regiões do globo” (Gomes, 2007, p.154), passando pelo consensual instrumento de linguagem: a Língua Portuguesa ou seria Brasileira? Brasiliense? Brasiliana?
Desde os vários nascimentos, re-nascimentos: colônia, império-monárquico, república e país, etc., andamos muito à frente e muito atrás de todos os conceitos. Desde as carroças aos aviões a jato, conceitos simultaneamente não excludentes, mas de sujeitos e subjetividades sempre excluídas: pobres, negros escravos, alforriados e negros livres, donos de outros negros, seus escravos, mulatos, pardos, cafuzos, caboclos, etc., quase todos. Tudo pode conviver continental e simultaneamente neste continente de saberes ou conhecimentos acientíficos.
Reis (2000) afirma, novamente nos convidando para refletir:
A sociedade não está dominada pelo passado, pela tradição, não está submetida a determinismos de nenhuma espécie e não está, portanto, condenada a repeti-lo, a continuá-lo. Mas o passado não se abole com um golpe de ficção. Não se muda só porque se "quer mudar". A mudança é um esforço, um trabalho penoso, uma construção difícil, tensa. A tradição resiste ao novo – há uma luta de vida ou morte entre os homens do passado e os homens do futuro. O ritmo da mudança brasileira é lento, secular. (. . .) A libertação da dominação luso-brasileira tradicional, a reaproximação do Estado com a sociedade, a criação de novas formas de convívio, com novos valores, o que é possível e realizável, e não uma utopia inalcançável, abrem o horizonte do Brasil à democracia. Olhando o Brasil assim, "as cores voltam ao seu perfil". A realidade luso-brasileira foi e é um horror, mas o Brasil não está condenado a ser sempre como foi.
Dentro da criação de outra prática de ser brasileiro temos heranças para novos conhecimentos e posicionamentos, até mesmo na multiplicação de termos referentes que nos remetam a uma superfície de linguagem como as dos diferentes portos culturais: abertura dos portos não somente às nações amigas, mas a “um terceiro espaço” [2] e novas criações e nações a tudo que aqui se planta.
Mestiços[3] e híbridos e nascidos para (e por) uma terceira via: fomos descobertos numa nova rota alternativa, talvez, “pacificadora” e inovadora[4] de ventos sempre e cada vez mais inexauríveis da modernidade tardia, líquida e, quiçá, democrática, não em palavras, mas em direito a ser conquistado e construído!
Terras férteis para um campo psicológico de conhecimento e convivências solidárias, mais pacificadoras, com maiores responsabilidades e chances de respeito às diferenças no vasto laboratório de multiplicidades montado aqui. Só que não enxergamos, nem vemos, ou sequer olhamos tão bem pela fresta de tão poucas valorizações dos elementos tradicionais do folclore, da música e pela riqueza das nossas manifestações culturais.
O eminente sociólogo Polonês, expatriado, identidade que lhe foi negada e tornada inacessível, Bauman (2005), convidado a soletrar sobre as questões da Identidade nos faz saltar desta convenção socialmente necessária às formas não estabelecidas dentro da “líquida” modernidade, tempo, medo, comunidade e vida. Para podermos testar as características pouco definidas do termo e conceito de identidade, o autor propõe seus pólos gêmeos impostos à existência social: opressão e libertação.
Talvez precisássemos pensar em uma nação brasileira em constante constituição, enormes marcadores histórico-político-sociais, mas sem definições ou fronteiras definidas, muito menos apropriações no terreno da geografia antropológica, psicológica, lingüística ou sociológica definitivas.
Esta pesquisa teve o propósito de refletir sobre as questões de imposição e imposturas na pretensão de uma identidade reafirmada através de dispositivos atrozes. Propõe outra direção que aponte para a abertura de uma terceira via até as Índias, em continuidade de outras possíveis efetivações histórica do ser brasileiro.
Referências Bibliográficas
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