quinta-feira, maio 27, 2010

PSICOLOGIA



- Que quer dizer “cativar”?

- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa “criar laços...”
-...Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa... (O Pequeno Príncipe, Saint-Exupéry).

Um adolescente incrédulo tendo ido ao tratamento psicológico por recomendação da família, pergunta, espantado e num fôlego só:
- Mas só falando eu poderia melhorar? Só conversando tu vai me ajudar?!
            O tratamento Psicológico não se resume ao “ser ajudado” ou ao “melhorar”, mesmo que isto venha a acontecer. O “falar” também não pode ser resumido: não se trata de “qualquer falar”, “falar por falar” ou “falar qualquer coisa”.
            No espaço psicológico ocorre uma instrumentalização humana de dialogar e, principalmente, “escutar”. Escutar diretamente aquilo que indiretamente o outro diz, fala e, portanto PENSA.
Há um “falar” carregado sobre as coisas que fazem sentido na vida da pessoa que fala/escuta. Coisas que fazem ou não fazem sentido e que provocam a situação humana de serem transmutadas (transformadas) pela busca dos próprios sentidos do viver.
Aquele que escuta não pode, de forma passiva, somente ouvir. Precisa fornecer sua presença inteira e suportar o que é articulado.
O que é escutado tem o material do que pode, precisa e deve ser transformado pelos dois seres envolvidos.
Numa situação de respeito, sigilo ético e sensibilidade. Sensibilidade que não desespera na dor, não se apavora facilmente e não desespera a dor do outro, mas sustenta o lugar e o olhar da fala do desejo.
Viver e desejar expõe os humanos aos desafios e dores que a vida impõe.
Escutar a forma que o outro conta/diz sua dor vivida esclarece, também, a quem fala: escutar sua própria voz.
Esclarecimento não só da dor que sente, mas dando sentido a dor falada, “descristalização” dos conceitos prontos.
Diferente de um amigo que se emociona – oferece o precioso “ombro amigo” e o apoio nestas emoções – o psicólogo oferece outro tipo de amor/amizade, que faz falar. No amigo há o prazer de dividir o pensar; no terapeuta o ato/amor precisa somar dois “pensar”.
O Pensar próprio prevalece no lugar do conselho, o conselho prejudica o pensar por si: escutar a voz que fala/pensa e vive. Um bom amigo fará da amizade/amor este pensar juntos, o bom psicólogo fará do espaço um lugar de falar, pensar e desejar por si mesmo (não se paga ao amigo, ao menos com dinheiro).
A experiência não termina ao fim do tratamento psicológico. Nasce de um bom tratamento psico, um verdadeiro e bom amigo, para si e para os outros, pois o paciente/cliente torna-se seu próprio melhor amigo. Criando a possibilidade de um mundo melhor e mais suportável em suas realidades: chocantes, radicais, individuais, paralisantes, de ansiedade, medo (fobia), dor (depressão), angústia, etc.
Não há como ser um simples escutar, nem um simples falar, mas há experiência profunda de criar coragem e enfrentar a si mesmo e os sentidos de viver. Sentidos cultivados e contaminados por nossos próprios vírus influentes.
O adolescente lá no início tinha razão em questionar (sua crítica está viva): SÓ FALAR não pode melhorar ou ajudar, é necessário alguém que escute de forma integral; situação que nos faça pensar por nós mesmos e sustente um lugar para continuarmos falando, sessão após sessão, aquilo que pensamos que nos incomode.
É necessário este alguém que nos faça olhar/escutar nosso acomodamento, sem interromper nosso NASCIMENTO nem a dor que impele nosso CRESCIMENTO. Desassossego suficiente para continuarmos desenvolvendo nosso projeto de SERmos humanos, construindo mudanças em nós para a formação de um mundo melhor, ao menos nas nossas convivências e relações.
Aquilo que cultivamos e cativamos é nossa responsabilidade ao invés de nossa culpa, é o que iremos preciosamente colher.

Contatos:
Ângela – fone: (51) 9321.1866

quarta-feira, maio 12, 2010

o que são minhas epígrafes...

.......................ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES...inconclusivas.............



AS CIDADES E OS MORTOS
O que distingue Argia das outras cidades é que no lugar de ar existe terra. As ruas são completamente aterradas, os quartos são cheios de argila até o teto, sobre as escadas pousam outras escadas em negativo, sobre os telhados das casas premem camadas de terreno rochoso como céus enevoados. Não sabemos se os habitantes podem andar pela cidade alargando as galerias das minhocas e as fendas em que se insinuam raízes:
a umidade abate os corpos e tira toda a sua força;
convém permanecer parados e deitados, de tão escuro.
De Argia, daqui de cima, não se vê nada; há quem diga: está lá em baixo”
e é preciso acreditar; os lugares são desertos.
À noite, encostando o ouvido no solo,
às vezes se ouve uma porta que bate”
(Italo Calvino, “As cidades Invisíveis”, p. 116.)

 

            Minhas epígrafes são meu “Brincar”, comunicam e organizam meu discurso meio PRONTO, meio tonto, das minhas imagens fantasmáticas. Gritam angústias de não satisfação ante o objeto amado e odiado, o mesmo; e a percepção/reconhecimento de que os são/é objeto único e me coloco em estados depressivos que me parecem que NUNCA (muito tempo! Alucinação!) conseguirei elaborá-los. Falo a mim mesma: “larga a lupa, use um relógio e uma calculadora” para não enxergar/ver os defeitos tão grandes e o tempo tão extenso e sem matemática nenhuma. Estou míope e torpe...

Henry Miller PLEXUS

“          -    Mas você é tão jovem! Como teria tempo para...
-         A idade nada significa – interrompeu – não é a idade que nos faz sábios. Nem a experiência, conforme se pretende. É a ligeireza de espírito. Os Rápidos e os mortos. ... Você, entre todas as pessoas compreende o que quero dizer. Existe somente duas classes neste mundo – e em todos os mundos - : os rápidos e os mortos. Aos que cultivam o espírito nada é impossível. Para os outros, tudo é impossível, ou incrível, ou fútil. Quando se vive dia  após dia com o impossível, começa-se a indagar o que a palavra significa. Ou melhor, como ela chegou a significar o que significa. Há um mundo de luz, no qual tudo é claro e manifesto, e há um  mundo de confusão, onde tudo é obscuro. Os dois mundos são realmente um só. Os do mundo da escuridão conseguem um lampejo de quando em quando, do reino da luz, mas o do mundo da luz nada sabem sobre o mundo das trevas. Os homens da luz não emitem sombras. O mal lhes é desconhecido. Tampouco guardam ressentimento. [...] Aqui sou considerado um tanto excêntrico [...]
Seu coração parou de bater por um momento, é tudo – disse Claude – imagine, se puder o que aconteceria se o seu coração começasse a pulsar num ritmo cósmico. A maioria dos corações não chegam a bater num ritmo humano...Tempo virá em que [...] tudo estará transformado [...] não vá pensar que estou falando de religião ou filosofia [...] nem sequer chegam a ser trampolins, como as pessoas julgam. Devem ser transposta de um pulo. Se pomos algo FORA de nós, ou ACIMA de nós, seremos vitimados. Existe  apenas uma coisa, espírito. É tudo, é a suma, e quando nós o percebemos, nós o assimilamos [...]
Você compreende, mas a realidade disso lhe escapa. Compreender não é nada. Os olhos devem ficar abertos, constantemente. Para abrir os olhos devemos nos descontrair, e não nos constringirmos. Não receie tombar num poço sem fundo. Não existe abismo. Você  está nele e a ele pertence, e  um dia, se persistir, você será ele. Não digo que você o terá, veja bem, por não haver nada a possuir. Tampouco você será possuído, lembre-se! Você terá é de libertar-se. [...]”
“Perdoe-me por lhe falar dessa forma, mas tenho a impressão de que o tempo se esvai [...] agora mesmo, H. M., ninguém neste país sabe nada a seu respeito. Neste momento sei mais coisas sobre você do que provavelmente jamais virei a saber. Mas o que sei só tem importância para mim. Isto é o que lhe queria dizer...que deveria pensar em mim quando estiver desanimado. Não que eu possa lhe ajudar [...] ninguém pode. Ninguém o quer, provavelmente. [...] VOCÊ TERÁ DE RESOLVER SEUS PRÓPRIOS PROBLEMAS. Mas pelo menos saberá, ao pensar em mim, que existe uma pessoa neste mundo que lhe conhece e acredita em você. Isso sempre ajuda. O SEGREDO, porém, consiste em não desejar que alguém, nem mesmo o Todo-Poderoso, tenha confiança em você. Você deve concluir, e certamente o fará, que não precisa de proteção [...] não há necessidade de redenção, pois o que os homens chamam pecado e culpa não encerra significado supremo. Os rápidos e os mortos! - Lembre-se bem! Quando adquirir a ligeireza das coisas você não encontrará nem aceleração nem retardamento, nem nascimento nem morte. EXISTE e VOCÊ É – nada mais. [...]”

Henry Miller. PLEXUS- A crucificação encarnada. 1969

epígrafe importante!

A Formação da Identidade Brasileira e as Convenções Sociais:
Um Beco Sem Saída?
Adriana Kessler
Ângela Barcelos da Silva
Resumo: Este artigo pretende problematizar a identidade, como uma convenção socialmente necessária que é, a partir dos conceitos relativos ao tema que estão relacionadas às teorias do campo dos Estudos Culturais e às idéias de autores como Hall (2001) e Bauman (2005), um processo não estanque de construção nos tempos “líquidos” e pós-moderno, e questiona a formação e a construção de identidade nacional. A difícil definição incide nas infinitas saídas e pelas urgentes necessidades de novos paradigmas conceituais, tanto para a identidade, a identidade brasileira, como para formação desta. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica onde aceitamos o critério sócio-histórico, por um caminho processual também histórico, onde se presentifica a dialética do singular-particular-universal.
Palavras-chave: identidade; identidade “líquida”; identidade brasileira.

The Formation of the Brazilian Identity and the Social Conventions: A Deadlock Street?
Abstract: The present paper aims at problematizing the identity as socially required convention, drawing on the concepts related to the theme regarding the theories on Cultural Studies and the ideas of authors such as Hall (2001) and Bauman (2005), in a non-detached process of construction at “liquid” and post modern times, and inquiries about the formation and the building of a national identity. Its difficult definition falls upon the infinite solutions and by the urgent needs of new conceptual paradigms, both for identity, Brazilian identity, and its formation. It is a bibliographical research in which we accept the social historical criterion, through a process path that is also historical, and in which the dialectics of the singular-particular-universal is made present.
Key words: identity; “liquid” identity; Brazilian identity.


Não sei se já observastes isso em vós mesmos – como ente humano e não como um fragmento, num mundo fragmentado. Um ente humano (...) não tem nacionalidade (...) “participar” não significa simplesmente estender a mão para receber alguma coisa. Significa que deveis compartilhar (...) se ganhais uma belíssima jóia e não sabeis quanto ela é preciosa, podeis jogá-la fora; sois incapaz de apreciá-la em companhia de outros.
Krishnamurti.

domingo, maio 09, 2010

A Formação da Identidade Brasileira e as Convenções Sociais: Um Beco Sem Saída?


A Formação da Identidade Brasileira e as Convenções Sociais:
Um Beco Sem Saída?  (2008)

Adriana Kessler, orientadora, é Psicóloga, Mestre em Psicologia Social e da Personalidade (PUCRS), Docente do Curso de Psicologia na Universidade Luterana do Brasil 
Ângela Barcelos da Silva é graduanda em Psicologia anjapsi@hotmail.com


Introdução
As (in)definições de conceitos relativos ao tema identidade estão relacionadas às teorias do campo dos Estudos Culturais onde é concebida “a cultura como espaço privilegiado de transformação do ser social” (Williams, citado por Escosteguy, 2003, p.57).
Esta pesquisa tem a orientação construcionista, bibliográfica, é exploratória, explicativa, qualitativa e refere que o objeto das Ciências Sociais é histórico. Onde, aceitando os critérios da historicidade, aproximado e construído, o pesquisador – cavador de respostas – na busca do progresso precisa estar associado muito mais às violações do que à obediência (Minayo, 2004; Santos, 2002).
As propostas dos Estudos Culturais são relacionadas com as idéias de autores Hall (2001) e Bauman (2005) que situam o tema na pós-modernidade e no pós-estruturalismo, utilizando, respectivamente, os termos “modernidade tardia” e “modernidade líquida”. Estes e alguns outros autores dos Estudos Culturais fazem levantamentos que constituem a difícil definição da identidade brasileira ou uma pretensa formação dela, coadunam as urgentes necessidades de novos paradigmas para tal referencial que requerem análises complexas, de cunho emancipatório e urgentes e onde é necessária a revisão nas crises dos paradigmas conceituais do conhecimento.
A construção de uma identidade – nacional – que não se constitui um processo simples porque é difícil conceituar termo tão ambíguo, ou até mesmo poético, romântico, Hall irá tratá-lo como “(. . .) muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido para ser definitivamente posto à prova” (2001, p.8).
Os sujeitos assumem diferentes e conflitantes identidades, o que só torna o processo como algo diferente de inato e existente na consciência desde o momento do nascimento até a hora da morte. A identidade que não se desenvolve naturalmente é formada em relação aos outros, ao longo do tempo e através de processos inconscientes. Gritando que há “algo 'imaginário' ou fantasiado sobre sua unidade” (Hall, 2001, p. 37-38), fazendo com que ela permaneça como um processo que está sempre sendo formado e reformulado.
No que se refere a um país continental composto de muitos diferentes sujeitos, demasiadas desigualdades sociais, econômicas e culturais a pretensão de identidade nacional e a análise de sua formação requerem muito mais a possibilidade de alguma licença poética aliada ao rigor na complexidade de tal análise, do que o rigor científico em “recapturar esse prazer fantasiado da plenitude” (Hall, 2001, p.39).
O problema que norteia este artigo é se pode se falar de uma identidade nacional brasileira. A questão fundamental que direciona este estudo vincula-se ao referencial de identidade utilizado numa ampliação e não num fechamento. A isto segue a pergunta: qual o referencial de identidade utilizado?
No livro “Identidade”, o entrevistador diz sobre a sua impressão ao dialogar com Bauman, como foi ficando consciente de ter adentrado um continente muito mais amplo que aquilo por ele esperado: o vasto território real incabível nos mapas. “Continente cujos mapas eram quase inúteis em se tratando de encontrar direções” (Bauman, 2005, p.7). Igualmente, nos deparamos com a impossibilidade de um fechamento tranqüilo pela imprecisão e pela complexidade a que a temática nos submete. Eles, entrevistador e entrevistado, falam do lugar de impossível definição de identidade no mundo de rupturas pós-moderno e líquido, cuja tarefa torna-se impraticável pelas suas infinitas saídas.
Durante o transcorrer do processo de pesquisa bibliográfica foi necessário aceitar que às referências circunscritas, articulavam-se paradoxos ao pensamento lógico formal em suas características determinantes e restritivas.
O referencial de identidade parte do esfacelamento do próprio referencial – por alguma via alternativa – que abre maiores possibilidades de diálogo dentro do tema. O convite de Bauman (2005, p.12) é o de exercitarmos com um pouco de sabedoria em estratégias de “adaptação à modernidade líquida” que têm ações nas sociedades capitalistas tardias. Lança-nos, sem descanso e ao infinito profundo desta questão social, atual e crucial. O autor vai referir que “a identidade é uma convenção socialmente necessária” muitas vezes usada de forma desinteressada, causando maiores desinteresses, moldando e dando substância à biografias empobrecidas e comuns.
Submetendo homens e mulheres hipermodernos à alienação e remetendo-nos a pensamentos reducionistas, atomizando-nos em seres individualizados. Inserindo distancia aos sujeitos naquilo que poderia começar a responder à problemática, subjetiva e filosófica pergunta: quem sou eu?

Esfacelamento...

Tradição na Globalização: O Esfacelamento das Fronteiras
Os seres da modernidade líquida e tardia, dentro dos cercadinhos de suas individualidades consomem seus variados aparatos tecnológicos, objetos elitizados na forma de consumismo ocidentalizante capitalista na e para construção de identidades fictícias e vazias, alicerçadas no feitiço(che) da mercadoria (Marx, 2005)[1]. Como índios, modernos e civilizados aceitamos bugigangas, espelhinhos, etc. no lugar da emancipação e real democracia.
Tal situação dá sustentabilidade ao prolongamento de um novo colonialismo em suas características de passividade, anestesiamento, esquecimento de conflitos, violências, identificação com o agressor – colaboração na “banalização do mal” e na “injustiça social” [2] – e a aceitação de desigualdades como uma ordem social natural.
Ligada ao colapso do bem-estar social a identidade pode ser vista como um dos processos dentro das grandes transformações que afetam as estruturas estatais, as condições de trabalho, a subjetividade coletiva, a produção cultural, entre outras estruturas (Bauman, 2005).
Em diversas ocasiões Bauman zomba educadamente daqueles que tentam conceitualizar, em alguma definição, a relevância da identidade nas sociedades que tornaram incertas e transitórias as identidades sociais, culturais e sexuais: “qualquer tentativa de ‘solidificar’ o que se tornou líquido por meio de uma política de identidade levaria inevitavelmente o pensamento crítico a um beco sem saída” ([grifo nosso], 2005, p.12).
Em sua análise a questão se amplia no multiculturalismo ou no fundamentalismo em expansão. As identidades prontas para o consumo imediato são transportadas e transformadas rapidamente pelos veículos mediadores, como a internet – um dos vários exemplos destes mediadores da mídia antidemocrática (Bauman, 2005; Ianni, 2002).
A identidade fala a linguagem dos marginalizados pela globalização e muitos são os que enfatizam que o recurso à identidade é um processo contínuo de redefinir-se e de inventar a sua própria história, mesmo dentro das restritivas condições de identificar-se com a história de uma nação e suas relações com contextos muito maiores.
Sobre a comunidade, o autor supracitado refere que ela representaria “um abrigo em relação ao efeito da globalização em todo o planeta” (p.12). O mesmo vale para a identidade, onde seria melhor não buscar respostas tranqüilizadoras em textos clássicos do pensamento crítico.
O sociólogo polonês refere que dentre os vários problemas conhecidos como “minha identidade”, o da nacionalidade ganhou um destaque particular nos deslocamentos e esfacelamentos repetitivos, onde são poucos aqueles que poderão evitar a passagem por mais de uma comunidade de idéias e princípios:
Compartilho essa sorte com milhões de refugiados e migrantes que o nosso mundo em rápido processo de globalização produz (. . .) a identidade é um monte de problemas, e não uma campanha de tema único (. . .). Em nossa época líquido-moderna, o mundo em nossa volta está repartido em fragmentos mal coordenados enquanto as nossas existências individuais são fatiadas numa sucessão de episódios fragilmente conectados. Ora, seria fácil (. . .) ampliar a lista (. . .) para demonstrar a impressionante complexidade da tarefa (. . .) algo a ser inventado, e não descoberto; (. . .) uma coisa que ainda se precisa construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e então lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais – mesmo que (. . .) a verdade sobre a condição precária e eternamente inconclusiva da identidade deva ser (. . .) suprimida e laboriosamente oculta (Bauman, 2005, p.18-22).
Nesta obra, o autor discorre sobre os problemas com a questão da consistência, a continuidade da nossa identidade com o passar do tempo (“la mêmete”) e a coerência daquilo que nos distingue como pessoas (“l’ipséite”), “o que quer que isto seja” (p. 19), problemas que assemelham a maioria dos deslocados de algum centro de identidade unívoco e que, atualmente, é mais difícil esconder essa verdade do que no início da era moderna.
As pessoas em busca de identidade se vêem invariavelmente diante da tarefa intimidadora de “alcançar o impossível”: essa expressão genérica implica, como se sabe, tarefas que não podem se realizar no “tempo real”, mas que serão presumivelmente realizadas na plenitude do tempo – na infinitude... (. . .) o ‘pertencimento’ e a ‘identidade’ não tem a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age – e a determinação de se manter firme a tudo isso – são fatores cruciais tanto para o ‘pertencimento’ quanto para a ‘identidade’ (Bauman, 2005, p.16-17[grifos do autor]).
O autor se refere, na passagem citada, a sua condição de expatriado e onde seu destino de pertencimento foi abalado. Completa que é só ao se sair desta posição poderá nascer a problemática de que se está diante “de uma tarefa a ser realizada, e realizada vezes e vezes sem conta”, não de uma só tacada científica e possitivista(2005, p.18).
A idéia imaginária de ter alguma identidade perfeita (idealizada) não ocorre com facilidade enquanto pertencemos a um único destino, sem alternativas, onde se nasce e morre nele, realizando algum objetivo científico, trapaça mitológica ou revelação religiosa, como um beco sem saída!
A tarefa da “nostalgia do passado conjugada à total concordância com a modernidade líquida” levam à evidência de que a identidade precisa envolver-se com o que realmente é: uma convenção socialmente necessária e de transposição de trapaças ocultas. As trapaças que ficam ocultadas pelas transposições só poderão se revelar se reconstruirmos a “passagem da dimensão individual, que a identidade sempre tem, para a sua condição como convenção social”. (Bauman, 2005, p.13). O autor chama de questão central, onde fica evidente a participação do conhecimento como instrumentos sociais – mito, religião e ciência – como construtores de modelos a serem seguidos na garantia de unidade.


[2] Referentes aos termos de Hanna Arendt usados em relação ao caso Eichmann e citadas por Dejours (1999, p.21)

MísériaS

Sobre as Raízes e os Aspectos Econômicos da Miséria Humana
Outra evidência revelada por Rorty (citado por Bauman, 2005, p.43) é uma crítica aos mensageiros das novas visões ou militantes das novas “causas sociais” que preferem “não falar em dinheiro” e elegem como “[suposto] principal inimigo” um esquema mental e não o esquema de ajustes econômicos.
A evidência que fica afastada da memória é justo a que deveríamos garantir: a preocupação com e sobre as “causas profundas da miséria humana”. Sob os graves riscos de reproduzirmos e identificarmo-nos com erros antigos que constituem a repetição que habilmente deslocamos da memória: o fato de os países que saíram na frente em termos de industrialização possuírem uma riqueza muito maior que a dos não industrializados. Precisamos aprender e ensinar desde muito cedo que as desigualdades entre os próprios destinos e os dos outros não tem nada a ver “(. . .) com a Vontade de Deus nem com um preço necessário pela eficácia econômica, mas com uma tragédia evitável” (Rorty, citado por Bauman, 2005, p.44).
Pierucci (2000) relaciona a internacionalização do capital e a divisão internacional do trabalho como formas híbridas de colonização de um processo que ainda não foi interrompido.
Hoje, as ex-colônias estão presentes através de imigrações em massa: “trabalhadores e trabalhadoras que vão do Terceiro para o Primeiro Mundo (. . .) em busca de trabalho” (Portes, citado por Pierucci 2000, p.171), deflagrando a ampliação no campo das identidades e a proliferações de novas posições referentes de identificação cultural, “identidades genéricas, abstratas”.
Situações novas que, como diz o autor, trazem novamente à tona o velho racismo através de um neo-racismo e seus dois dispositivos básicos: “o da diferença notada com os olhos fixos na pele” e o da “inferioridade imaginada, deduzida, propagandeada” e projetada (Bhabha; Wieviorka, citados por Pierucci, 2000, p.174). Acrescentaríamos a este último dispositivo, as desigualdades aceitas e introjetadas como fato natural que programam um novo racismo mais “agressivo e regressivo” recheado de sutilezas nas culturas “hospedeiras” e “neocoloniais”.
Dado que entre o Ocidente rico e o resto pobre do mundo persistem relações desiguais de poder econômico, mas também de dominação política e hegemônica cultural, e dado que o fluxo internacional de bens de consumo, bens de capital e força de trabalho obedece por isso mesmo a um direcionamento desigual, a globalização é pensada como sendo, essencialmente, um processo de ocidentalização de toda a terra mediante a ocidentalização capitalista do “resto” (Hall, citado por Pierucci, 2000, p.16).
A desigualdade está na base do domínio colonial, onde a colônia não tem nem liberdade nem soberania e “(. . .) nem sequer tem personalidade reconhecida (. . .)” (Rémond, 1974, p.180). Fato que a identifica, identifica o pertencimento de seu povo, a distingue do protetorado e da sua tutelar metrópole promovendo cômoda situação de se ter uma identidade concedida em permuta frente à ilusão de vir a não ser, nem saber quem se é. Tornando-se, de tal forma, aquilo que não é irreconhecível. O historiador (p.149) chama tal fenômeno de “Movimento das Nacionalidades”, no “sentido de uma doutrina política dentro das fronteiras dos países” que se justapôs aos grupos lingüísticos, étnicos, históricos de naturezas dessemelhantes no nascimento das nações desenhado após 1815 e através do fortalecimento do Estado. Fortalecimento e dispositivos que entram no lugar do “mecenato dos antigos príncipes”, através do liberalismo e da não intervenção e neutralidade do Estado.
Bauman a partir de suas percepções de que houve uma época em que os moradores das aldeias[1] e vilas (vilões e sujeitos das ruas) eliminavam na fonte a questão da identidade, em suas formas de estar no mundo, até que isto se tornasse um problema, uma “tarefa”: o “alicerce” da idéia de soberania nas pretensões à legitimidade na crise de pertencimento que o Estado impunha a estes (2005, p.25). Podemos inferir que processo semelhante se deu para os povos primitivos e nativos nas antigas colônias.
Sobre a violência, Bauman (2005, p.27-28) nos conduz através da “ficção” que a “natividade dos nascimentos” vai desempenhar como fórmula empregada pelo nascente Estado Moderno à legitimação da exigência de uma subordinação incondicional por parte de seus súditos, os cidadãos, em troca do seu reconhecimento. Esta ficção exige coerção, convencimento, vigilância constante e esforço gigantesco pela superposição do território domiciliar à soberania invisível do Estado.
Fazendo um paralelo com o conceito das comunidades européias frente à invenção do Estado-Nação, podemos pensar que ao ser descoberto e explorado, o Brasil – ou “Pindorama” [2], como o chamavam alguns dos seus antigos nativos – possuía uma comunidade que não foi reconhecida por àquelas, civilizadas, que faziam e escreviam a história. Mesmo anteriores a ela, seu discurso oficial de verdades, que colonizavam o mundo com idéias eurocêntricas, santas, ideais, iluminadas e científicas.
As nações primitivas não constituíam autoridade suficiente nem foram reconhecidas, sendo descartadas enquanto riqueza na posição dos jogos de poder e seus dispositivos de manipulação arbitrários que fizeram com que o seu povo fosse eliminado, ao ser eliminada a sua cultura e língua.
A identidade nacionalizada polonesa contada pelo autor foi lida pela história, diferindo no caso do Brasil, mas também foi martirizada e precisou acomodar-se violentamente aos moldes das pretensas identidades de outras nações. Dispositivos que culminaram nas grandes guerras onde o Estado buscava a obediência de seus indivíduos e representava-se como sendo a concretização do futuro da nação e a garantia da continuidade dos seus indivíduos.
A base do domínio (colonial) como marca que identifica e distingue do protetorado tutelar (da metrópole) dispensa precocemente a liberdade e a soberania e promove ter-se alguma identidade reconhecida: sou brasileiro; mesmo sendo idéia fictícia e vulnerável frente à ilusão e o medo de vir a não ter garantias, vantagens e sem ser ou saber, definitivamente, quem se é (Rémond, 1974).
Pensemos nas condições brasileiras: Brasil, nome, refere-se ao primeiro produto (objeto, coisa, mercadoria) comercializado e extraído do pau-brasil na produção de tintura avermelhada para a Europa civilizada (Calligaris, 2000).
Quanto ao adjetivo do ser nascido no Brasil remeteria ao brasileiro ser o trabalhador estrangeiro na extração do pau-brasil, isto é reforçado na menção sobre a discussão da denominação correta para designação das pessoas que nasciam no Brasil. O trabalhador brasileiro, hoje, extrai de sua própria substância (pau-brasil), sua brasilidade (tinta vermelha) não mais para, nem por um explorador estrangeiro, mas para e por seu povo, trabalhador no nome, da sua própria tintura, trabalhando língua e brasilidade de brasilienses ou brasilianos (Gomes, 2007).
Novamente, seria fácil ampliar a lista para desmoronar pretensões de reconstituir infinitamente e arbitrariamente as convicções clássicas, arcaicas ou eurocêntricas (européias ou portuguesas). Deixando-nos com as perguntas: poderá, ao analisar sua reprodutiva autofragmentação, construir-se alguma outra imagem enquanto nação, não como unitária nem fragmentária, mas mais favorável ou diferenciada? As identidades brasileiras ficarão indefinidamente cristalizadas unicamente como povo oprimido, obedientemente agredido e “deitado em berço esplêndido”[3]?
Conforme teorização do eminente sociólogo, antes citado, a resposta seria um contundente não. Colocado em pauta outra análise: “a mudança já está ocorrendo, e há muito. Se for melhor conhecida, poderá ser mais bem produzida e acelerada. A mudança em Holanda se radicaliza e se amplia, o horizonte brasileiro se abre, e o seu espírito se enche de otimismo” (Reis, 2000).


[1]  Conta um caso de censo numa aldeia da sua Polônia no antes da última grande guerra (2005, p.25).
[2]  Mocellin (1987, p.32) referindo-se a “território que deu origem ao Brasil” como região das palmeiras ou Pindorama, do tupi-guarani. Termo verificado no Dicionário Brasileiro Contemporâneo, da editora Globo, de Porto alegre, 1965.
[3]  Referência ao hino nacional Brasileiro.

O que somos?

Somos Inclassificáveis[1]
As perguntas que nos faz Reis (2000) merecem respostas bem profundas:
Seria possível produzir um discurso sobre o Brasil desapaixonado, científico, verdadeiro? Dificilmente. É por isso que todas as representações do Brasil são relevantes, pois, juntas, revelam uma idéia do Brasil complexa, poliédrica, uma idéia composta de idéias, de projetos, um polígono de múltiplas faces ao mesmo tempo opostas e interligadas em uma mesma figura (. . .) O problema que se propõe ao debate é: como se deu a formação do Brasil-Nação? Não há resposta única, fechada, sistemática para esta questão.
O autor, sem fechar as possíveis respostas, refere que “dependem do sujeito histórico” que tome a palavra e, se é ou não brasileiro, pois são inúmeras as perspectivas, quantas são as combinações possíveis de cores. Pensar no Brasil não dispensa múltiplos modos de pensamentos, de pensar e perguntar:
Quem são os "heróis" da história brasileira? Quais são os grandes eventos, as datas mais fortes? Em que direção o Brasil se encaminha? Que juízo de valor elaborar sobre as experiências brasileiras? A resposta revelará a identidade social e histórica de quem toma a palavra. (. . .) todas sustentáveis por uma argumentação coerente e reconhecível. Existem versões do Brasil de origem senhorial, burguesa, proletária, classe média, camponesa, sem-terra, paulista, mineira, nordestina, sulista, negra, indígena, feminina, imigrante, migrante, caipira, urbana, suburbana, litorânea, sertaneja, oficial, marginal, militar, civil, etc... A maioria delas ainda não formulada, silenciosa. (. . .) discursos e representações usam a história dita científica para legitimar seus interesses e paixões. Imaginário, mitologia e reabertura de arquivos se confundem (Reis, 2000).
Ao acentuarmos a relevância da memória e da cultura para formação poliédrica de identidade(s) brasileira(s) estaremos refletindo sobre o sentimento de cidadania adormecido e esquecido nos sujeitos construtores da história, as suas e do país, pelo desconhecimento, descontentamento e a desvalorização de suas raízes.
O foco maior é a identidade, mas eis que ela invoca, categoricamente, toda a sua família: memória, subjetividade, política, etc., parentes próximos dentro da cultura, ou das culturas, brasileiras, sendo redesenhadas e provocadas cada vez que uma é chamada à manifestação.
Os múltiplos significados que compõem uma nação multifacetada e futurista incentivam a idéia de que o berço esplêndido não é embalado para fazer dormir, mas é sacudido pelas bases até que acordem os gigantes.
Nos movimentos como os do modernismo[2], referido ao país, e na dinâmica globalizante de “características prigoginianas” (Tofler, 1994, p.289-290[3]) que os sistemas mundiais vêm assumindo nas mais diversas sociedades não há país ou nação alguma que possa ficar “impávido colosso” [4].
Esta nação foi sendo constituída de forma substancial e indelével sob(re) marcas psico-sócio-históricas e étnicas, de aventura, pioneirismo e pluralismos. Referimo-nos, também, aos econômicos, políticos, raciais e culturais e toda a violência e ambivalência que isto carrega.
A imagem é, quase sempre, de um país receptivo ao que é estranho e estrangeiro. Submissão sempre reeditada a uma nova forma de colonialismo, como na imposta pela globalização e, simultaneamente, como um reflexo de um país que se reconhece multicultural e é reconhecido como facilmente adaptável e aberto ao mundo e ao novo.
O Brasil, de várias diferentes tribos de índios, colonizadores de todas as partes do mundo, colonizados, brancos, mestiços, negros de variadas nações; livres, escravos, colonos, imigrantes, emigrantes, americanos, europeus, orientais, ocidentais, etc. Mestiçagem e miscigenações construídas sobre a confluência e absorção pacífica de múltiplas diferenças. Lugar onde e quando, plantando “tudo dá”, abertura, também ao malandro, ao ladrão, ao aproveitador, ao menino/menina de rua, ao politiqueiro, capitalista, individualista, empresários do crime organizado, perversos e neuróticos de colarinhos brancos ou azuis, etc.
As gigantescas características de belezas e diferenças não encobrem os grandes, graves e complexos problemas e muitas camadas de substâncias ficam demasiadamente ocultadas, mesmo ao mais brasileiro dos brasileiros, quiçá para estrangeiros que não adentram além de suas praias neste reino de vasto sertão (Ser tão: veredas...[5]). Verdades de multiplicidade, biodiversidades sociais, culturais e psicológicas onde o referencial fica ampliado no conceito de identidade brasileira “colonizada”.
Fonseca descreve uma história do pensamento ocidental moderno comprometida com a continuidade e renovação do projeto iluminista através do empirismo lógico, Positivista. Processo em que confundiu a concepção a respeito da natureza por meio da confiança epistemológica do mecanismo que a torna “passiva, eterna e reversível” [6], através da lógica e método de dominar e controlar, onde o conhecer significa quantificar através da “matematização do universo”, da natureza e da realidade (1998, p.41).
A crise se instala onde o ideal de um saber universalizante iluminista e eurocentrista encerrariam a falsa imagem de possibilidade de uma identidade nucleada: “uma comunidade formada por seres iguais e dotados de instrumentos capazes de garantir entre eles, o consenso” (Fonseca, 1998, p.40). Tal crise se instala a partir das evidências do desgaste do reducionismo letal nas marcas de um “modelo global e totalitário”, ao quê acrescentaríamos antiético e desumano: “(. . .) na medida que nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que não se pautarem pelos princípios epistemológicos e pelas regras metodológicas” (Santos, citado por Fonseca, 1998, p.40).
À redução do mundo, dos sujeitos e dos objetos numa fórmula universal da cultura científica – do mercado global – cientificante e ocidental europeizada, não são poupadas críticas ao método em seu poder de padronizar – convivência idealizada e adaptativa.
A falta de um rigor na revisão epistemológica aplicada à Ciência só ajudaria a reduzir as possibilidades do mundo, de seus sujeitos, objetos e seus projetos, mas não podem esconder, nem impor o completo esquecimento destas táticas aplicadas arbitrária e compulsoriamente à revelia dos sujeitos do Estado de Direito e seus poderes emancipatórios. São discursos de verdades que beneficiam somente os beneficiáveis: elites eleitas, contínuas, unas e indefinidamente no poder, contando com exclusividade nos consensos destes discursos de verdades.
Não que o conhecimento deva evitar o precioso conceito de consenso entre os iguais, mas estes iguais serão sempre quem? Os mesmos? Poderíamos imaginar um reciclador de lixo, um sem-teto, uma mãe solteira, um ex-drogado, etc. dentre estes iguais? Algum pobre? Um idoso ou um doente? Algum excluído seria contado em sua (não) identidade? Ou estes expatriados serão contados sempre entre identidades de sub-classes? E, portanto, não quantificáveis ou confiáveis: não humanos e totalmente, sempre, excluídos.
Uma sociedade que desconhece seu potencial e não acredita ser capaz de prosperar, subsiste em uma realidade que não é sua, agrega elementos culturais que não tem, ou não precisam mais ter ligação com sua substância e não permite que o sentimento de cidadania desperte nas ações novas forma de ser e de se fazer ser.
Os discursos (nacionais) ficam dispensados de valor e relegados ao mundo subdesenvolvido de “sub-classes” (Bauman, 2005, p.46), deslocam, substituem, condenam e condensam imagens fantasiadas e falsificadas sobre a Nação, seus sujeitos e os seus fragmentos.
Encontramos nas nossas raízes, fora também, as causas para este estado de alienação típica da violência dos explorados e desrespeitados, ética e culturalmente. Está no surgimento do conhecimento da Ciência o estatuto de garantir algo pra alguém que pertence, definindo e identificando os pertencedores, excluindo outros saberes. Alguns poucos que possuem o privilégio de serem iguais, aumentando as desigualdades, as diferenças e promovendo farsas e identidades controláveis.
Dentro dos Estudos Culturais a identidade é um fenômeno construtivo, não definido a priori, e sem a qual não se concebem os sujeitos e muito menos suas nações:
A visão de cultura, bem como das identidades e subjetividades aqui discutidas, mesmo entendendo-a como um campo de conflitos e lutas, afasta-se da proposição de uma avaliação epistemológica de falso e verdadeiro, enfatizando uma luta em torno da imposição, da construção de significados. (. . .)não objetivamos buscar uma Verdade, mas sim problematizar constructos, como por exemplo, muito tempo ocupou-se a Psicologia do conceito de identidade como essência, como estabilidade eternamente idêntica a si mesma e fundamental para um processo de evolução do sujeito (. . .)vários autores tratam da identidade como um requisito fundamental para uma saúde mental adequada, necessária, etc. (Bernardes & Hoenisch, 2003, p.123 e p. 96).
Os autores vão dizer que não se trata de uma pura “concepção de sujeito e subjetividade passível” de simples “decodificação” a partir de signos ou significados pré-determinados, fazendo valer um jogo aberto de processualidade e constituição de modos de ser, ver e operar no mundo (Bernardes & Hoenisch, 2003, p. 106).
Escosteguy define os Estudos Culturais como sendo um “(. . .) campo de estudos onde diversas disciplinas se interseccionam no estudo de aspectos culturais da sociedade contemporânea (. . .)” (2003, p.66). Tratando-se, em outra definição, de um campo de estudos que não pretende ter rígido e fixo, uma disciplina, propondo-se “abrir as questões ao invés de fechá-las” (Guareschi; Medeiros & Bruschi, 2003, p.23).


[1]  Em referências à música de Arnaldo Antunes, álbum Silêncio, BMG, 1996. 
[2] Semana da arte e a “antropofagia”, “pós”, “hiper”, etc.
[3] Ilya Prigogine, prêmio Nobel de Química, pelas “estruturas dissipadas”, conforme o autor, que pontua sobre os sistemas vivos abertos e em permanente troca de energia.
[4] Referência ao hino nacional Brasileiro.
[5] Referência a obra de Guimarães Rosa (2001).
[6] No sentido de inesgotável. Na ilusão de ser um movimento que controlamos e onde será eternamente possível contar com a regeneração desta “natureza” (Fonseca, 1998).