domingo, maio 09, 2010

Esfacelamento...

Tradição na Globalização: O Esfacelamento das Fronteiras
Os seres da modernidade líquida e tardia, dentro dos cercadinhos de suas individualidades consomem seus variados aparatos tecnológicos, objetos elitizados na forma de consumismo ocidentalizante capitalista na e para construção de identidades fictícias e vazias, alicerçadas no feitiço(che) da mercadoria (Marx, 2005)[1]. Como índios, modernos e civilizados aceitamos bugigangas, espelhinhos, etc. no lugar da emancipação e real democracia.
Tal situação dá sustentabilidade ao prolongamento de um novo colonialismo em suas características de passividade, anestesiamento, esquecimento de conflitos, violências, identificação com o agressor – colaboração na “banalização do mal” e na “injustiça social” [2] – e a aceitação de desigualdades como uma ordem social natural.
Ligada ao colapso do bem-estar social a identidade pode ser vista como um dos processos dentro das grandes transformações que afetam as estruturas estatais, as condições de trabalho, a subjetividade coletiva, a produção cultural, entre outras estruturas (Bauman, 2005).
Em diversas ocasiões Bauman zomba educadamente daqueles que tentam conceitualizar, em alguma definição, a relevância da identidade nas sociedades que tornaram incertas e transitórias as identidades sociais, culturais e sexuais: “qualquer tentativa de ‘solidificar’ o que se tornou líquido por meio de uma política de identidade levaria inevitavelmente o pensamento crítico a um beco sem saída” ([grifo nosso], 2005, p.12).
Em sua análise a questão se amplia no multiculturalismo ou no fundamentalismo em expansão. As identidades prontas para o consumo imediato são transportadas e transformadas rapidamente pelos veículos mediadores, como a internet – um dos vários exemplos destes mediadores da mídia antidemocrática (Bauman, 2005; Ianni, 2002).
A identidade fala a linguagem dos marginalizados pela globalização e muitos são os que enfatizam que o recurso à identidade é um processo contínuo de redefinir-se e de inventar a sua própria história, mesmo dentro das restritivas condições de identificar-se com a história de uma nação e suas relações com contextos muito maiores.
Sobre a comunidade, o autor supracitado refere que ela representaria “um abrigo em relação ao efeito da globalização em todo o planeta” (p.12). O mesmo vale para a identidade, onde seria melhor não buscar respostas tranqüilizadoras em textos clássicos do pensamento crítico.
O sociólogo polonês refere que dentre os vários problemas conhecidos como “minha identidade”, o da nacionalidade ganhou um destaque particular nos deslocamentos e esfacelamentos repetitivos, onde são poucos aqueles que poderão evitar a passagem por mais de uma comunidade de idéias e princípios:
Compartilho essa sorte com milhões de refugiados e migrantes que o nosso mundo em rápido processo de globalização produz (. . .) a identidade é um monte de problemas, e não uma campanha de tema único (. . .). Em nossa época líquido-moderna, o mundo em nossa volta está repartido em fragmentos mal coordenados enquanto as nossas existências individuais são fatiadas numa sucessão de episódios fragilmente conectados. Ora, seria fácil (. . .) ampliar a lista (. . .) para demonstrar a impressionante complexidade da tarefa (. . .) algo a ser inventado, e não descoberto; (. . .) uma coisa que ainda se precisa construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e então lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais – mesmo que (. . .) a verdade sobre a condição precária e eternamente inconclusiva da identidade deva ser (. . .) suprimida e laboriosamente oculta (Bauman, 2005, p.18-22).
Nesta obra, o autor discorre sobre os problemas com a questão da consistência, a continuidade da nossa identidade com o passar do tempo (“la mêmete”) e a coerência daquilo que nos distingue como pessoas (“l’ipséite”), “o que quer que isto seja” (p. 19), problemas que assemelham a maioria dos deslocados de algum centro de identidade unívoco e que, atualmente, é mais difícil esconder essa verdade do que no início da era moderna.
As pessoas em busca de identidade se vêem invariavelmente diante da tarefa intimidadora de “alcançar o impossível”: essa expressão genérica implica, como se sabe, tarefas que não podem se realizar no “tempo real”, mas que serão presumivelmente realizadas na plenitude do tempo – na infinitude... (. . .) o ‘pertencimento’ e a ‘identidade’ não tem a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age – e a determinação de se manter firme a tudo isso – são fatores cruciais tanto para o ‘pertencimento’ quanto para a ‘identidade’ (Bauman, 2005, p.16-17[grifos do autor]).
O autor se refere, na passagem citada, a sua condição de expatriado e onde seu destino de pertencimento foi abalado. Completa que é só ao se sair desta posição poderá nascer a problemática de que se está diante “de uma tarefa a ser realizada, e realizada vezes e vezes sem conta”, não de uma só tacada científica e possitivista(2005, p.18).
A idéia imaginária de ter alguma identidade perfeita (idealizada) não ocorre com facilidade enquanto pertencemos a um único destino, sem alternativas, onde se nasce e morre nele, realizando algum objetivo científico, trapaça mitológica ou revelação religiosa, como um beco sem saída!
A tarefa da “nostalgia do passado conjugada à total concordância com a modernidade líquida” levam à evidência de que a identidade precisa envolver-se com o que realmente é: uma convenção socialmente necessária e de transposição de trapaças ocultas. As trapaças que ficam ocultadas pelas transposições só poderão se revelar se reconstruirmos a “passagem da dimensão individual, que a identidade sempre tem, para a sua condição como convenção social”. (Bauman, 2005, p.13). O autor chama de questão central, onde fica evidente a participação do conhecimento como instrumentos sociais – mito, religião e ciência – como construtores de modelos a serem seguidos na garantia de unidade.


[2] Referentes aos termos de Hanna Arendt usados em relação ao caso Eichmann e citadas por Dejours (1999, p.21)

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